Saudações:

Em homenagem e reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho.
Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável.
Que tenha próspera longevidade e saúde ilimitada.
Que nenhum mal a atinja.
Que todos os seus esforços sejam recompensados.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

FUKANZAZENGUI - Parte 3


No capítulo 35 do Shoboguenzo (Bendowa) – ‘Uma história da prática Budista’ está escrito:
‘Mesmo que a pessoa sente somente por um momento em jijuyu samadi, o selo da mente de Buda imprime-se na totalidade de nosso ser, preenchendo-o; enquanto que, simultaneamente a isto, o mundo todo também adquire esta característica de ter o selo da mente de Buda. Em resumo, tudo fica  iluminado’
Pássaros podem ser vistos e apreciados, o vento uivando ao passar pelas árvores pode ser ouvido, o barulho da chuva batendo nos telhados pode ser percebido, o cachorro latindo, o gato miando.
Dentro e fora de nós, verdades, fatos, acontecimentos, sensações, percepções, formações mentais estão sendo produzidas, se manifestando, mudando, mutando, se alterando em função de causas e condições, momento a momento...
Em nós e ao nosso redor, a vida, alheia ao que pensamos ou achamos, pulsa como um organismo vivo.
Verdades sendo realizadas.
Não precisamos tentar conseguir coisa alguma.
‘Tá’ tudo pronto.

Está escrito no Genjo Koan:
‘Todas as coisas são o Darma de Buda. Existe compreensão, ilusão, prática, vida e morte, Budas e pessoas comuns. Quando tudo é vazio, então não mais existem ilusão ou compreensão, Budas ou pessoas comuns, nem nascimento ou morte. Originalmente o Caminho Budista transcende a si mesmo ou a quaisquer idéias de excesso ou falta. Mesmo assim, o fato é que existem nascimento e morte, ilusão e compreensão, pessoas comuns e aqueles que são Budas’.

“...Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-lo?...”
Está escrito no Shobogenzo no capítulo 25 (Ryugin) ‘O rugido do Dragão’.
“Todos os Budas e Tatagatas possuem a força de chegar à compreensão suprema e perfeita; eles passam adiante esta compreensão um para o outro (...) Esta habilidade transcende talentos humanos e é perfeitamente livre. Para nos apossarmos deste samadi, devemos entrar nele pelo portão do Zazen, que é o método recomendado para realizar essa compreensão”.

ILUSÃO E DELUSÂO...
Ilusão é a confusão dos sentidos que provoca uma distorção da percepção real das coisas.
Pode ser causada por mudança ambiental, clima, camuflagem, mimetismo, efeitos sonoros, percepções incorretas.
Todos os sentidos podem ser confundidos.
A palavra deriva do verbo latino Illudo (burlar, enganar).
Em nossa língua, iludir evoluiu com o sentido de causar uma impressão enganosa ou ter a esperança de algo desejável.
Delusão é acreditar numa ilusão.
Delusão é um entendimento mental que surge da crença em algo que não é verdadeiro.
Delusões inatas são aquelas que surgem naturalmente, sem especulação intelectual.
Delusões intelectualmente formadas são as que surgem como resultado de raciocínios incorretos ou dogmas equivocados.

Continuando o texto:
“...O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e de iluminação? Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o Caminho, o resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a terra...”

“... O Caminho está completamente presente onde você está...”
Aqui o Mestre Dogen coloca uma questão essencial. já que o Caminho é fundamentalmente perfeito, porque seria necessário praticar?
Porque praticar já que todos têm, desde o início, a natureza de Buda?
O mestre Eisai responde:
‘Todos os Budas, nos três mundos, nenhum sabe que tem a natureza Buda. Mas os gatos e as vacas sabem muito bem’.
Estudiosos descobriram que os seres humanos vivem 75% no passado, 20% no futuro e apenas 5% no presente.
Ora! Se alguém vive apenas 5% no presente, ele na verdade não vive...

Não percam a parte 5.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

FUKANZAZENGUI - Parte 2

Muito bem!
Á partir de agora, vamos tentar esmiuçar o texto, palavra por palavra, frase por frase e sentença por sentença.

Ao longo de nosso estudo, poderemos compreender melhor a profundidade de Dogen.

Inicialmente é interessante saber que o O "fu" de "Fukan-zazengi" significa “Universalidade Expressa”.
Mestre Dogen, escreveu esse texto sobre como se sentar em zazen não apenas para os monges do seu tempo, mas para todas as pessoas dos tempos futuros.

Começa o Fukanzazengui com a parágrafo:
“Agora, quando procuramos a fonte do Caminho, descobrimos que é universal e absoluta. Torna-se desnecessário distinguir entre prática e iluminação. O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi-lo? Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-la?...”

“Agora, quando procuramos a fonte do Caminho...”
Caminho budista ou caminho do Buda.
Caminho (tao, em chinês) também é usado como tradução para a palavra sânscrita Bodhi.
Também significa a Realidade para a qual o Buda despertou.
‘O Caminho’, no ideograma em japonês (Do), deseja dizer sobre o caminho ao longo do qual devemos retornar e seguir ao prosseguirmos com a nossa prática.
“Dō” – Caminho, senda, trilha espiritual.
O Karatê está imbuído de elementos provenientes do Zen.
O Karate é também chamado de "zen em movimento".
As aulas frequentemente começam e terminam com curtos períodos de zazen.
A repetição dos movimentos dos kata’s, é consistente com a meditação zen pretendendo maximizar a disciplina, a atenção e a concentração, mesmo em condições adversas.
Takahara foi o primeiro a falar sobre  a filosofia do “Dô“ nas martes marcais.
Takahara descreve as três vertentes que combinadas formam o ‘Do’ e culminam na evolução do praticante: Ijo, e katsu.
Ijo () pode ser expresso em atitudes pró-ativas. O ideograma Ijo também está relacionado á compaixão e humildade.
Fo ( ou ) é a dedicação que alguém tem para com algo; no caso, o afinco e a seriedade com que um Karateca treina e a devoção que nutre ao seu mestre e colegas.
Katsu() reflete-se na compreensão dos objetivos do Karate, que é transferir a sabedoria para a vida.
O conceito de “caminho” baseado nos princípios do Zen, é a fundamentação filosófica que dá a base para a prática física do Karate.

“...A fonte do caminho, descobrimos que é universal e absoluta....”
Absoluto, em Filosofia, é definido como a ‘realidade suprema e fundamental’.
Na Filosofia analítica e na filosofia pragmática, absoluto é tudo aquilo que não deixa dúvidas quanto a sua completude.
A palavra ‘Absoluto’ no ocidente vem do latim ‘solutus ab omni re’ - O que é ‘em si e por si’, independentemente de qualquer outra consideração ou condição.
No meu parco entendimento, o que Dogen quis dizer com as palavras ‘universal e absoluta’ é que a Natureza Buda é o princípio fundamental existente em todos os seres e completo por sí mesmo.

Shunryu Suzuki no livro: Mente Zen, Mente de Principiante declara:
‘Buda não aceitou as religiões que existiam na sua época. Não encontrou respostas no ascetismo nem na filosofia praticada. Buda não estava interessado nos aspectos metafísicos da existência, e sim em seu próprio corpo e mente. Quando encontrou a si mesmo, descobriu que tudo quanto existe tem natureza búdica. Esse foi o seu despertar, a sua iluminação. Iluminação não é um estado particular da mente. Essa é a fonte do caminho, a inata Natureza Buda. É universal porque a todos pertence. É absoluta porque é perfeita e completa’ (*) (*) Grifo nosso.

“...Torna-se desnecessário distinguir entre prática e iluminação...Como podemos diferenciar a prática da iluminação?...
O Zen está além de todo e qualquer dualismo.
Por sua simplicidade, dá acesso ao estado absoluto da sabedoria completa e perfeita.
É aqui que a importância do zazen assume toda a força.
Shikantaza, apenas sentar-se, sentar-se e mais nada.
O Zen é a filosofia da gratuidade, do não-lucro.
Todos, trabalhamos, para uma finalidade, por uma idéia, com um objetivo; cada qual quer dar e receber.
Mas só se atinge a verdadeira vida espiritual quando não se procura status ou lucro.
Quando não se distingue mais a prática da iluminação...

Consta no Gakudo Yojin-shu (Pontos a observar no Estudo do Caminho)
‘(...) O Buda ensina que na prática há iluminação. Nunca ouvi falar de alguém que tenha alcançado a iluminação sem praticar’.
‘(...) existem diferentes métodos de treinamento, baseados na fé ou na compreensão do Darma, na iluminação súbita ou gradual, ainda assim, a iluminação depende de treinamento’.
‘(...) Embora pratiquemos no mundo da delusão, esse também é o mundo da iluminação’.
‘Quando a iluminação está em harmonia com a prática, você não pode desmerecer nem mesmo uma simples partícula de poeira. Se agir dessa maneira você se afastará da iluminação tanto quanto o céu está afastado da terra’.

A palavra Zentai, em japonês, significa a Realidade como um todo, antes da divisão, antes da dualidade feita através da discriminação.
Na verdade não há nenhuma separação entre ilusão e iluminação.
Entre sim e não, entre sentar em zen e lavar os pratos.

“...O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi-lo?...”
É claro para as pessoas com um mínimo de percepção que a espiritualidade baseada unicamente no conhecimento intelectual, nas religiões e morais tradicionais são incapazes de fornecer linimento para nossas angústias e sofrimentos.
Desorientados, desequilibrados e sofridos, os seres buscam prazeres momentâneos e facilidades sociais.
Se apartam da essência espiritual e da Natureza Buda.
As contradições e insatisfações são numerosas, rompeu-se o equilíbrio natural.
A dualidade faz-se presente em todos os momentos de nossas tristes vidas...

“...Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-lo?...”
O treinamento Zen está além da ciência, além da filosofia, além das normas e dos postulados.
No Zen, não meditamos sobre a existência ou a não-existência, sobre o sim ou o não, sobre o ser ou não ser...
Apenas vivemos o momento atual e tudo que está relacionado a esse instante fugidio.
 
Mestre Kodo Sawaki dizia:
‘Conduzir nossa vida é como andar de bicicleta. Uma boa prática faz-se necessária. Entretanto se o corpo e a mente estiverem rígidos, não conseguiremos andar. É necessário pedalar sem parar. Se não pedalarmos, não avançaremos, se executarmos uma manobra errada, ou pararmos de pedalar, cairemos’.
Deixar de observar o aqui-e-agora é como parar de pedalar.


Não deixem de ler a parte 3.






quarta-feira, 18 de julho de 2012

Fukanzanzengui - (Regras Universais do Zazen) Eihei Dogen Zenji
 Obs: Esse texto foi escrito originalmente em forma de apresentação no Power Point para ser apresentado no Treinamento Intensivo de julho noTemplo Taikozan Tenzui Zenji.  

     By Taigen
Em reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho. Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável. Que tenha próspera longevidade  e saúde ilimitada. Que nenhum mal a atinja. Que todos os seus esforços sejam recompensados. E que tenha muita, muita paciência conosco...

Inicialmente, para entrarmos no mérito do texto, das razões e motivos que levaram Dogen a escrevê-lo, é necessário nos situarmos historicamente, só assim poderemos  compreender a profundidade do seu pensamento.
      Quem era Dogen Zenji?
   Qual foi sua importância no cenário budista japonês?
       Porque ele foi e é tão importante?

     Pequena introdução ao texto.
     Talvez...
     Inicialmente, seja interessante construir uma imagem do que seja realmente a prática zen, mesmo correndo o risco de parecer redundante e repetitivo.
     Desde seu início, o zen exerce uma peculiar fascinação nas mentes cansadas de religião e filosofias formais, nas mentes exauridas de sofrimento, de perguntas não respondidas, de questões mal compreendidas.
     Contam os textos que desde o dia em que Buda apresentou uma flor e Makakasho sorriu, o zen dispensou todas as formas de teorização, de instrução doutrinária, de formalidades sem vida.
     O zen é fundamentado em sua prática e numa íntima, pessoal e intransferível experiência da realidade.
     Isso não quer dizer que o zen seja o único caminho, a diferença é que outras formas seguem fazendo curvas, galgando lentamente a montanha, procurando os melhores lugares para subir, onde apoiar seus pés com segurança.
     O zen, coloca de lado todos os obstáculos e impecilhos, e se move em linha reta na direção do objetivo.
     Na minha humilde opinião, os credos, os sistemas filosóficos, as religiões com seus dogmas, seus mistérios da fé, suas contradições etc. não passam de idéias acerca da verdade, da mesma maneira que as palavras não são os fatos acontecidos, mas simplesmente a descrição do que já aconteceu, com o tempero de quem as conta.
     O zen é uma enérgica e vigorosa tentativa de entrar em contato coma realidade, com a verdade, sem permitir que teorias, símbolos e manipulações emocionais, se interponham entre o conhecedor e aquilo que deve ser conhecido, entre a experiência e aquele que a experiência.
     É sentir a vida em vez de sentir algo sobre a vida.
     O zen não tem muita paciência com sabedoria de segunda mão, conceitos mofados, crenças empoeiradas e princípios desprovidos de sentido.
     É no seu método de instrução que o zen se distingue de todas as outras formas de filosofia.
     Em princípio não existem ensinamentos doutrinários, estudo das escrituras, nem um programa formal de acúmulo de conhecimento.
     Naturalmente que existem comentários, diálogos, textos, escritos, sutras a serem recitados, formalidades a serem seguidas etc.
     Mas tudo o que se faz na prática zen possui o objetivo definido de nos trazer de volta a realidade, de aumentar a percepção da interdependência de tudo e de todos, de desenvolver nossa capacidade inata.
     É justamente aí que reside a importância do Fukanzazengui.
     Dogen de forma clara e objetiva, não ‘viaja’ em especulações metafísicas ou divaga acerca da verdade, ele a mostra com riqueza de detalhes, usando várias referências e passagens que iremos compartilhar ao longo do nosso estudo.
     Foi Eihei Dogen quem primeiro trouxe a tradição Soto Zen para o Japão, posteriormente Keizan (1268-1325) tornou possível a popularização da Soto Zen, estabelecendo as bases para a grande organização religiosa, que é hoje.
     Dogen, nascido em uma família nobre, rapidamente aprendeu o significado da palavra "Mujo" (impermanencia). 
     Ainda jovem, ele perdeu o pai e a mãe.
      Decidiu então se tornar um monge e buscar a verdade da vida.
     Enquanto praticava muitas dúvidas o assaltavam:
     “O Buda ensina que a iluminação é inerente a todos os seres, desde o início”.
     Ora! Se isto é assim, por que todos precisamos nos esforçar tanto para alcançar a  iluminação?
     Esta dúvida sempre aparece na mente de praticantes mais avançados.
     Diferentemente de Dogen, somos afortunados, podemos contar com a experiência e conhecimento de Coen Roshi, mestra correta que incansavelmente nos guia através do labirinto de nossas angústias, dúvidas e dificuldades.
     Infelizmente, Dogen não tinha nossa sorte, por mais que tentasse resolver seu dilema, ninguem lhe dava uma explicação convincente.
     Dogen, uma das mentes mais brilhantes que o Japão já produziu, achava que a separação do budismo em ramificações, denominações e seitas só o dividiria.
     Todos sabemos que quanto mais dividido e separado os elos de uma corrente, mais fraca ela fica..
     Ele dizia que:
     “Aqueles que usam o nome de Seita Zen para descrever o grande caminho dos Budas e Ancestrais, ainda não viram o caminho do Buda”.
     Assim pensando, entendeu que deveria ir á antiga Sung (China) e “beber” da fonte do Dharma.
     Dogen, percebia que o budismo que lhe era ensinado estava imperfeito, faltava alguma coisa, algo havia sido perdido durante sua jornada ao entrar no Japão.
     É lógico que devemos levar em consideração a época, o lugar e as pessoas envolvidas.
     Á época o budismo era divido em três períodos (o período do Verdadeiro Darma, o período da imitação do Verdadeiro Darma, e o período de declínio do Verdadeiro Darma).
     Na opinião de Dogen ele estava vivendo no período de Declínio do Darma.
     Entendia que deveria se esforçar incansavelmente ​​a fim de resgatar o real espírito do Buda e captar sua essência diretamente, sem se deixar envolver com dogmatismos ou separações doutrinárias.
     Disse Dogen: “Se você não praticar o Budismo nesta vida, sob o pretexto de que ele está em um período de declínio, então em que vida você vai praticar”
     Dogen lutou valorosamente contra o fatalismo religioso, que era forte naquela época.
     Acreditava que se alguém tem fervor pela verdade, as limitações de tempo e lugar podem ser transcendidas, e pode-se enxergar os Budas e ancestrais diretamente. 
     Acreditava que esses três períodos não são períodos em tempo, mas sim, estágios no desenvolvimento dos homens. 
     Muito bem!
     Para podermos bem apreciar o texto em estudo, precisamos compreender corretamente o pensamento e como ele entendia o budismo.
     Dogen reconhecia Sakyamuni Buda como mestre original.
     Acreditava num budismo totalmente integrado, que existia antes da divisão em Hinayana e Mahayana. 
     Entendia que A Transmissão Ininterrupta do Verdadeiro Darma a partir do Buda deveria ser corretamente transmitido de mestre para discípulo.
     Mestre Dogen efetuava seus ensinos tomando o exemplo dos grandes ancestrais, o cotidiano e a realidade como referencia.
     Em vez de se manifestar exclusivamente através de koans, como faziam os mestres chineses, ou por meio de abstrusas (*) teorias metafísicas, como faziam os mestres hindús ele falava de forma clara e límpida, usando e abusando de exemplos.
     OK!
     Então, onde Dogen foi encontrar esse budismo corretamente transmitido...
     (*) Abstrusas -  Difícil de compreender, obscuro, sem nexo.
     Á época de Dogen o budismo tinha se ramificado em várias escolas.
     As principais eram:
     As que seguiam a forma ortodoxa e original (Theravada).
     As de recitação do nome do Buda Amida. (Terra Pura).
     As que se baseavam apenas no Sutra de Lótus (Tientai).
     As que praticavam tendo como prioridade o estudo dos koans (Rinzai).
     As que davam ênfase ás cerimônias esotéricas (Yogachara).
     As que usavam mantras (Tantra).
     Como bem diz o ditado: “Se algo está difícil de ser compreendido – retorne ao início...”
     Foi exatamente o que fez Dogen.
     Como a prática que fazia não correspondia ás suas expectativas, nem respondia suas perguntas, viajou para a China.
     Ou seja, retornou á prática ainda não contaminada, apesar de não ter sido fácil, pois a maioria dos mosteiros da China também já estavam contaminados.
     Para tal, levou em consideração o fato de que todos os Budas do passado e do presente, assim como os ancestrais da Índia atingiram a realização através da prática ininterrupta da meditação formal.
     Na visão de Dogen não existia a necessidade de:
     Praticar ascese,
     Repetir incansavelmente um nome santo,
     Competir para ver quem possuía maior instrução acadêmica, nem perder horas em cerimônias esotéricas. 
     No Gakudo Yojinshu, está escrito: “Aqueles que praticam o caminho de Buda devem primeiro ter fé nesse caminho”.
     Isto significa acreditar que todos possuímos “Natureza Buda” e, quando nos sentamos em zazen já estamos realizando essa “Natureza Buda”.
     Dogen entendia que a prática do zazen não é um caminho que conduz a libertação, mas uma prática religiosa realizada em estado de iluminação. 
     Zazen, não é a prática do Buda antes de sua iluminação, mas sim a prática efetuada por ele para e após sua libertação.
     Dogen dizia que zazen é o estado de Buda, a verdadeira prática do Buda e, aqueles que se dedicam a isso são potencialmente Budas. 
  Prática e iluminação são a mesma coisa.
     “O sábio verá, de imediato a verdade nas coisas comuns da vida, o tolo filosofará a respeito disso...
     Ha han!!! Então tá !!!!!!
     Neste momento, talqualmente Dogen, perguntarão os senhores:
     Se prática e iluminação são um, para que fazer zazen? 
     Exatamente por isso que ele escreveu o Fukanzazengui.
     Está escrito no  Zuimonki: “Minha concepção de budista é a pessoa que se entrega totalmente ao Darma. Leva uma vida religiosa, sem incomodar-se com a iluminação. Se nos dedicamos de todo coração ao budismo sem qualquer desejo de alcançar a iluminação, nos tornaremos o próprio budismo”.
     Uma historinha para ilustrar ... Adoro essas histórias...
     Quando te perguntarem o que é ‘Aquilo”,
     Não deves afirmar nem negar nada.
     O que quer que seja afirmado não é a verdade.
     O que quer que seja negado não é verdadeiro.
     Ninguém pode dizer com certeza o que ‘Aquilo’ possa ser, enquanto não tiver compreendido por sí só o que ‘É’.
     E, após tê-lo compreendido, que palavras podem ser ditas...
     Portanto, para seus questionamentos, oferece-lhe apenas o silêncio.
     Silêncio e um dedo apontando para o Caminho...
     Só o que precisamos é “ver”.
     Vendo, saberemos sem a necessidade da crença.
     Muita hora nessa calma!!!
     Antes de continuarmos, faz-se necessário entender corretamente o  conceito de Realidade e Verdade, conforme entendia Dogen.
     Dogen declarava que as aparencias não tem verdade própria, não passam de uma sucessão indiferenciada de condicionamentos que se neutralizam ou se eliminam uns aos outros.
     Dogem alertava que não deveríamos nos deixar enganar pelos fenomenos ilusórios.
     Aquilo que pomposamente disignamos ‘realidade‘ nada mais é que um turbilhão gerado por nossos sentidos, desejos, paixões, sensações e medos.
     Nenhuma solução é viável por muito tempo, fugir é impossível, os conhecimentos são constantemente postos á prova.
     Diz o Sutra do Coração: gya te gya te - ha ra gya te - hara so gya te - bo ji sowa ka…tendo ido, tendo ido, para a outra margem, a margem da iluminação. Salve.
     Uma vez tendo aberta a cortina obnubilante (*) dos fenomenos, tendo sido percebida sua irrealidade, congenita, alcancamos uma percepção fresca e natural da vida, vamos para o outro lado.
  (*) obnubilante  - Nào conseguir ver o que tem para ser visto – engano mental.
     Dogen é uma figura tão importante na história japonesa, que filósofos e estudiosos fora da Tradição Zen declararam que a essência da cultura japonesa não pode ser corretamente compreendida sem levar em conta este grande mestre zen. 
     Impressionados com a profundidade do pensamento de Dogen, muitos japoneses ganharam uma nova confiança nas potencialidades da sua cultura. 
     Dogen goza de tão alta consideração, porque seus princípios, idéias e postulados são universalmente aplicáveis.
     É o Fukanzazengui uma verdadeira obra-prima, que revela claramente o seu pensamento e fé.
     Dono de um estilo conciso, como uma flecha atirada por um arqueiro profissional, Dogen vai direto ao ponto, ao coração. 
     Seu pensamento é nobre e profundo.
     Sua lógica afiada é por vezes incompreensível, tal é a profundidade de seu despertar.
     Tais atributos não só o colocam na vanguarda do pensamento japonês, como também lhe dá importante lugar na filosofia moderna. 
     A importância de Dogen não é encontrada apenas na excelência de seus textos, mas também em sua própria história de vida.
     Nos escritos de Dogen, encontramos teoria e prática, conhecimento e ação, inseparavelmente entrelaçados ou como diz meu filho: ‘Tá tudo junto – Tá junto e misturado’.
     Dogen ensina que devemos despertar completamente corpo e mente e experimentar essa realização na ações do dia-a-dia.
     Isso não significa obter mero conhecimento intelectual, aumento de conhecimento acadêmico ou ainda chafurdar em meio a conjecturas estéreis e sem vida.
     Mas, sim, viver uma vida real.
     Os textos de Dogen combinam tanto um profundo conhecimento com uma prática verdadeira e é aí que reside a sua enorme grandeza.
     Dogen o escreveu entre os dias 05 de outubro e 10 de dezembro de 1227. 
     Tinha então 28 anos e acabado de retornar da China. 
     Escreveu o texto baseando-se no oitavo volume do compêndio Zennenshingi (Ch'an-yuan-ch'ing-kuei) escrito por Tsung-che (Shusaku) em 1102.
     O objetivo de Dogen era popularizar a meditação (zazen) e ensinar o método correto de praticá-la, parte que ele considerava imprescindível para o entendimento do Darma de Buda.
     O texto foi escrito em chinês num estilo de prosa rítmica regular da Grande Sung.
     No texto Fukanzazengi Senjutsu Yurai (razão para compor o Fukanzazengi), Dogen explica por que ele escreveu a obra:
     ‘Uma vez que no Japão, nunca foi possível aprender sobre a transmissão fora das escrituras ou o tesouro do verdadeiro olho do Dharma, muito menos os princípios do zazen, logo que voltei para o Japão vindo da Grande Sung e os estudantes começaram a  vir a mim para instrução, senti a necessidade, por causa deles, de compilar este trabalho sobre os princípios universais do zazen.
     Continua Dogen no mesmo texto:
     (...) ‘Há muito tempo atrás, o mestre chinês Po-chang construiu no seu mosteiro uma sala reservada especialmente para a prática de zazen. Ao fazer isso ele efetivamente transmitiu o verdadeiro estilo do Primeiro Ancestral Zen Bodidarma’
     (...) ‘No escrito chamado I-Tso-Ch'an (Zazengui) efetuado pelo mestre Chang-lu,  constante dos Regulamentos Puros para o Jardim Zen, Chang-lu mantém a mesma a intenção original do Po-chang, efetuando algumas inserções e adições’.
     Continua Dogen:
     ‘Essas alterações, adições e modificações feitas por Chang-lu resultaram em erros de vários tipos e o texto não está muito claro em sua forma geral. As pessoas que não conseguem perceber o significado por trás das palavras podem não entender exatamente o que se está querendo dizer. Por essa razão, eu reescrevi de forma clara e objetiva essas regras com os princípios corretos do zazen que eu aprendi na Grande Sung na esperança de que eles transmitam o coração dos Budas e Ancestrais’.
     Ao se comparar o Fukanzazengi de Dogen com o I-Tso-Ch'an de Tsung-tse percebe-se claramente que Dogen, apesar de usar o texto como pano de fundo, acrescenta exemplos, corrige distorções e explica o que não considerava completamente claro na obra de Tsung-Tse.
     Fukanzazengi é o primeiro escrito no qual Dogen tenta transmitir a importância do zazen á posteridade. 
     Embora não faça parte  da coleção Shobogenzo, acabou sendo incluído por causa de sua grande importância.
     Existem duas versões do Fukanzazengui:
     A versão rufubon  (popular), editada em 1472 é a normalmente utilizada e pode ser encontrada no Koroku ihei (coleção completa de Eihei Dogen);
     A versão chamada Tempuku, manuscrito do texto do ano de 1358, redescoberta no início do século XX depois de ter sido oferecido ao templo de Eiheiji pelo calígrafo Kohitsu Ryôhan em 1852.
     Ambas estão localizadas no cânone budista Taisho sob a referência: 2580, LXXXII.

     Aguardem a parte II