Saudações:

Em homenagem e reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho.
Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável.
Que tenha próspera longevidade e saúde ilimitada.
Que nenhum mal a atinja.
Que todos os seus esforços sejam recompensados.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

FUKANZAZENGUI

Fukanzazengi – Regras universais do zazen
(Manual de meditação de Eihei Dogen Zenji – Japão, 1200‐1253)
Agora, quando procuramos a fonte do Caminho, descobrimos que é universal e absoluta. Torna-se desnecessário distinguir entre prática e iluminação. O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi-lo? Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-la?
O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e de iluminação? Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o Caminho, o resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a Terra.
Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua mente‐Buda. Por exemplo, algumas pessoas se orgulham de sua compreensão e acreditam que estão ricamente dotadas com a sabedoria de Buda. Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram sua mente e conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está além da própria iluminação.
Ainda se vêem as marcas daquele que por seis anos sentou-se ereto1 e se ouvem os ecos do Monte Shaolin, onde por nove anos sentou-se de face para a parede aquele que transmitiu o selo da mente2. Já que esses antigos sábios eram tão diligentes, como podem os praticantes dos dias atuais deixarem de praticar zazen? Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprender a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Quando assim fazemos, nosso corpo e nossa mente são naturalmente transcendidos, e nossa natureza‐Buda original se manifesta. Se almejamos realizar3 a sabedoria de Buda, devemos começar a praticar imediatamente.
Para fazer zazen, é desejável um local tranquilo. Devemos ser moderados no o todo relacionamento deludido. Deixando tudo de
lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo cessado a agitação da mente, abandonamos até mesmo a ideia de nos tornar Buda. Isso é verdadeiro não só para o zazen, mas para todas as nossas ações cotidianas, sem apego ao nos sentar ou ao nos deitar.
Geralmente, colocamos um acolchoado quadrado no chão, onde vamos nos sentar, e sobre ele, uma almofada redonda. Podemos nos sentar na posição de lótus ou na de meio-lótus. Na primeira, colocamos o pé direito sobre a coxa esquerda e, em seguida, o pé esquerdo sobre a coxa direita. Na segunda, apenas colocamos o pé esquerdo sobre a coxa direita. As roupas devem ser folgadas, mas bem arrumadas. Em seguida, colocamos o dorso da mão direita sobre o pé esquerdo e o dorso da mão esquerda sobre a palma direita, com a ponta dos polegares se tocando levemente. Devemos nos sentar perfeitamente eretos, nem inclinados à direita, nem à esquerda, nem para a frente, nem para trás. As orelhas devem estar alinhadas com os ombros, e o nariz, alinhado com o umbigo. A ponta da língua deve ser colocada no palato, e os lábios e os dentes devem se encostar suavemente. Mantendo os olhos entreabertos, respiramos suavemente pelas narinas. Finalmente, tendo regulado o corpo e a mente, fazemos uma respiração profunda, movendo nosso corpo para a esquerda e para a direita, e então devemos ficar imóveis, sentados tão firmes quanto uma rocha. Existe o pensar, existe o não pensar e existe o além do pensar e do não pensar. Essa é a verdadeira base do zazen.
Zazen não é meditação passo a passo. É o portal do Darma da agradável tranquilidade, é a prática e a realização da iluminação, é tornar-se o koan4. A verdade aparece, não mais havendo delusão. Se compreendermos isso, estaremos completamente livres, como um dragão na água ou um tigre recostado na montanha. O Darma Correto surge naturalmente, e ficamos completamente livres de todo o cansaço e confusão. Ao terminarmos o zazen, devemos mover o corpo devagar e nos levantar com calma. Não devemos nos mover bruscamente.
Pela virtude do zazen, é possível transcender a diferença entre o comum e o sagrado e obter a capacidade de morrer sentado ou de pé. Além do mais, é impossível para nossa mente discriminatória compreender como os Budas e Ancestrais do Darma

comunicaram a essência do Zen a seus discípulos com o levantar de um dedo, com uma vara, jogando uma agulha ou batendo com o martelo de madeira5; ou como eles transmitiram a iluminação com o levantar de um hossu6, de um punho, de um bastão ou com um grito.
Tampouco esse assunto pode ser compreendido por meio de poderes sobrenaturais ou de uma visão dualista de prática e iluminação. Zazen é a prática além dos mundos subjetivo e objetivo, além do pensamento discriminatório. Assim, nenhuma discriminação deverá ser feita entre o inteligente e o não inteligente. Praticar o Caminho com todo o respeito é, em si mesmo, iluminação. Não existe separação entre a prática e a iluminação, ou entre o zazen e a vida cotidiana.
Os Budas e Ancestrais do Darma, tanto neste país quanto na Índia e na China, todos preservaram cuidadosamente a mente‐Buda e incentivaram assiduamente o treinamento zen. Devemos, pois, nos dedicar exclusivamente e ser completamente absorvidos pela prática do zazen. Apesar da divulgação de inúmeras maneiras de compreender o budismo, devemos praticar somente o zazen. Não há motivo para abandonarmos nosso assento de meditação e fazermos viagens inúteis a outros países. Se nosso primeiro passo for errado, inevitavelmente tropeçaremos.
Já tivemos a boa fortuna de nascer com um corpo precioso, então não devemos desperdiçar nosso tempo à toa. Agora que sabemos qual é a coisa mais importante no budismo, como podemos ficar satisfeitos com o mundo transitório? Nosso corpo é como o orvalho sobre a relva, e nossa vida, como o clarão de um raio, que desaparece num instante.
Sinceros praticantes zen, não se espantem com o Verdadeiro Dragão7, nem gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante8. Dediquem seus esforços ao Caminho que leva diretamente à natureza‐Buda. Respeitem aqueles que alcançaram o conhecimento completo, que estão sem intenção de intenção. Tornem-se um com a sabedoria dos Budas e, assim, sucessores legítimos da iluminação dos Ancestrais. Praticando dessa maneira, certamente serão capazes de compreender tudo isso. Então, a casa do tesouro naturalmente se abrirá e vocês poderão se servir à vontade.


1 Xaquiamun Buda.
2 Bodidarma.
3 Tornar real, autenticar. Não é exatamente alcançar. O significado aqui é mais próximo de perceber, de despertar, de vivenciar a sabedoria suprema e torná-la real na vida de cada praticante. Permitir que essa sabedoria se manifeste com a prática. Dogen Zenji Sama insiste em afirmar que prática é realização. Não praticamos para nos tornar Buda, mas porque somos Buda praticamos. Sem prática, porém, não há iluminação (estado Buda).
 
4 Algumas vezes traduzido como “pegadinha zen”, koan originalmente significa um Édito Imperial na China antiga. Atualmente, refere-se a situações históricas de perguntas e respostas de antigos e famosos mestres zen, com o objetivo de levar os praticantes à iluminação, ao despertar (satori ou mezameru, em japonês), por meio da transcendência da mente dualista. Na tradição Soto, a vida diária é considerada o koan essencial, a manifestação da verdade.
5 Alusão ao han, instrumento de maeira tocado para anunciar atividades no mosteiro.
d6 Bastão com pelos em uma das extremidades, usado nas cerimônias, simbolizando os fios de cabelo que saem do terceiro olho de Buda.
7 Referência a um monge que desenhava e colecionava imagens de dragões, mas, quando encontrou um dragão de verdade, fugiu apavorado.
8 Menção a um ensinamento de Buda segundo o qual um elefante foi apresentado a algumas pessoas om deficiência visual e pediu-se que descrevessem o que era. Cada uma delas conseguiu ter apenas ma ideia parcial do animal, conforme a parte que apalpou.


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